Oh, que alegria, Abbá, saindo de Jericó e subindo a Jerusalém, não só os meus discípulos, mas também uma grande multidão, estavam me seguindo. Aos poucos a “saída” e a “itinerância”, próprias de minha Igreja, estão sendo compreendidas.
Abbá, nessa saída e subida a Jerusalém, enquanto estávamos a caminho, encontramos o filho de Timeu, chamado Bartimeu, que era cego, e, por isso também mendigo, sentado à beira do caminho. Timeu, nome do pai de Bartimeu, significa “muito estimado”; Bartimeu, o filho, significa “filho de Timeu”. Pois, mesmo que os nomes estivessem ligados a significados de muita proximidade, o Bartimeu “estava sentado à beira do caminho”, era “cego e mendigo”, isto é, estava distante e já não próximo. Estava à margem do caminho!
Mas, eis que acende uma luz para o Bartimeu: houve um momento de esperança. De fato, quando ouviu falar de mim, conhecido como “Jesus, o Nazareno “, a esperança de voltar a enxergar e a não mendigar avivou-se. Foi em mim que encontrou a reintegração de sua vida e história e a reintegração na vida e história da comunidade. Não é bom e nem é justo sentir-se marginalizado!
Por isso, ó Abbá, o Bartimeu, o cego e o mendigo, teve a coragem de interromper o nosso caminho e gritar. Um misto de gritos desesperados e esperançosos: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Muitos e não poucos repreendiam Bartimeu para que se calasse. Afinal, o cego e mendigo está interrompendo e atrapalhando o nosso caminho. Merece nossa repreensão: ele está à margem e não integrado!
Mas, o bonito de tudo foi que o Bartimeu não desistiu. A luz da esperança não se apagou. Ele então gritava mais ainda. Como não ouvir os seus gritos dirigidos a mim: “Filho de Davi, tem piedade de mim”. Então eu parei, claro, comigo os discípulos e a multidão também pararam. Como andar avante diante de gritos de misericórdia e esperança? Era hora de reintegrá-lo! Por isso, envolvi os próprios seguidores que o repreendiam, e pedi-lhe que o chamassem. De repreensivos tornei-os instrumentos do chamado: “Eles o chamaram e disseram ao Bartimeu: “Coragem e levanta-te, Jesus te chama”.
Ó Abbá, tu tinhas que ver a cena que fez o Bartimeu. Primeiro, “jogou o manto” de cima de si. Depois “deu um pulo”. E então “veio a mim!” Essa cena mostra claramente que Bartimeu fez um processo de libertar-se de seus pesos existenciais - “jogou o manto”; fez um processo de viver livre de suas amarras condicionantes - “deu um pulo”; fez um processo de discipulado de mim como Caminho, Verdade e Vida - “veio a mim”.
Por isso, pude questionar Bartimeu, apelando para consciência de todos os seus processos. Perguntei-lhe: “O que queres que eu te faça?” Ele respondeu-me: “Mestre que eu veja!” O que faltava ainda ao “cego e mendigo“ era ver e a lógica do paradoxo do Reino de Deus irrompido em mim: se quiseres ser o maior, sê o menor, sê o servo de todos; quem perde a sua vida, ganhá-la-á; aqueles que têm, receberão, ao passo que àqueles que não têm, até o que têm lhes será tirado; o operário contratado à última hora receberá o mesmo salário que aquele que "carregou o peso do dia e do calor"; o amo a quem o "administrador desonesto” roubou, louva-o por ter agido com prudência; o pai mostra mais carinho pelo filho pródigo do que pelo filho que sempre foi fiel e obediente; o Filho do Altíssimo nasce num estábulo e é executado numa cruz, entre malfeitores; os mortos voltam à vida, os cegos veem, e os que dizem "nós vemos" ficam cegos.
Por fim, ó Abbá, vim ao encontro do desejo do Bartimeu de “ver” e lhe disse: “Vai, à tua fé te curou”. Sim, foi sua fé: ele creu no Reino do impossível aos olhos humanos. A Deus tudo é possível, a Deus nada é impossível. O que é impossível aos humanos, é possível a Deus - e só podemos ver Deus naquilo que é impossível aos humanos. No mesmo instante da profissão de fé do Bartimeu, ele recuperou a vista e, reintegrado, começou também a me seguir pelo caminho. Aquele que estava à beira do caminho, agora me segue pelo caminho!
Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo da Igreja Católica de Pelotas
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